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Editorial

“Conseguir a vontade política de quem nos tutela e ultrapassar os obstáculos muitas vezes colocados pelas estruturas instaladas é um trabalho intenso e de persistência.”

Olhando para o trabalho desenvolvido pela APA Aquacultores.pt ao longo dos últimos 14 anos não posso deixar de recordar o contributo, empenho e dedicação de todos aqueles com quem tive o privilégio de partilhar cargos de direcção e sem os quais a associação não teria ultrapassado um longo e difícil percurso de crescimento, e chegar onde chegou. Com recursos muito limitados, é hoje inquestionavelmente o parceiro e porta-voz do sector aquícola, ouvido e atendido por todos os que têm, de alguma forma, responsabilidades ou interesses na área.
Mas este tempo também me permite analisar, com alguma distância, os vários processos de que fomos tratando, sempre com o objectivo último de ultrapassar ou contornar os constrangimentos colocados ao sector e promover o seu desenvolvimento. E a imagem que fica pode ser descrita, recorrendo a uma expressão muito em voga, como “o tempo da política é diferente do tempo da economia”. E, de facto, assim é. A dificuldade e morosidade com que se consegue levar a bom porto um qualquer assunto é assustadora e muitas vezes faz vacilar a vontade de quem se dedica a esta causa. Aquilo que pode parecer, a um observador menos atento, como um menor empenho ou ligeireza no tratamento das questões, corresponde apenas à enorme dificuldade em ver concluídos processos que parecem simples. Conseguir a vontade política de quem nos tutela e ultrapassar os obstáculos muitas vezes colocados pelas estruturas instaladas é um trabalho intenso e de persistência.
A simples persecução de uma linha estratégica definida pelo governo, como é o desenvolvimento da aquacultura nacional, pode tornar-se um objectivo complicado de atingir e pleno de obstáculos colocados pela própria administração. A definição de áreas de produção, os problemas do licenciamento (ainda a revisão do DL 40/2017), as espécies a produzir. Vejamos o exemplo da legislação das espécies exóticas. Em resultado de uma revisão das normas europeias, Portugal entendeu fazer uma actualização da legislação vigente (DL 565/1999), passando a incorporar novas orientações quanto ao tratamento, nomeadamente, das espécies exóticas invasoras EEI. Após um longo processo de discussão, com o envolvimento de diversas entidades e em que a AQUACULTORES.PT participou, foi publicado o DL 92/2019. Duas espécies com enorme relevância para o sector aquícola nacional, truta arco-íris e ostra gigas, ficaram abrangidas por este diploma, sendo-lhes atribuído um regime especial enquanto espécies exóticas (não invasoras) com interesse económico. Ora, desde que este diploma foi publicado, os documentos oficiais emitidos sobre as espécies exóticas criam ou mantêm uma ambiguidade indesejável e estranha no tratamento das espécies exóticas EE e as espécies exóticas invasoras EEI. Na própria Resolução do Conselho de Ministros nº45/2023 mais uma vez esta situação se verifica. Um plano para o controlo e erradicação das espécies exóticas invasoras acaba, ao longo do texto, por tratar espécies exóticas e espécies exóticas invasoras como uma e a mesma coisa. É como querer misturar azeite com água.
É importante que se mantenha uma linha de seriedade e rigor no tratamento desta questão. As espécies exóticas utilizadas em Portugal com relevância e importância económica são múltiplas. Posso citar aqui o caso da batata, já que o legislador a utilizou como exemplo na redação do texto do DL 565/99. Mas muitas outras existem com mais ou menos séculos de introdução no nosso país.
Como biólogo, identifico-me em absoluto com a necessidade de controlo das espécies exóticas invasoras. Mas, se não formos cautelosos, razoáveis e pragmáticos no tratamento da questão das espécies exóticas (e não misturar com as espécies exóticas invasoras – a palavra invasora é aqui a palavra-chave), corremos o risco de pôr em causa grande parte da capacidade produtiva do sector e o cenário de alterações climáticas que vivemos irá seguramente colocar-nos perante desafios muito complicados para a aquicultura nacional.
Continuaremos por muitos anos a debater o problema do crescimento da aquacultura no nosso país e a falar do déficit da balança comercial do pescado com uma dependência de mais de 60% das importações.

José Calheiros
Presidente da Aquacultores.pt / Diretor de produção da Quinta do Salmão, Lda